Embora com propostas distintas, não é a primeira vez que uma série aborda esse período da nossa cultura. A história de Samantha!, da Netflix, é ambientada nos dias atuais, mas grande parte do seu enredo é reflexo de tal década (mais especificamente as crianças cantoras, grande sucesso de público – e de dinheiro às gravadoras, na época). O que acontece em Samantha! talvez seja exatamente uma das consequências causadas pela produção de um mercado frenético e insano retratado em Hit Parade. E ambas obtêm sucesso em suas respectivas propostas.
É nítido o teor crítico a respeito desse submundo, mas é também nas situações absurdas arquitetadas por Simão e por seus colegas de gravadora que mora a comicidade da série que, se tivesse a pretensão de se firmar mais como comédia, poderia ter se aproveitado mais de tais picaretagens. É justamente na “naturalidade” da construção dos momentos cômicos que está o ponto forte de Hit Parade. Não há piadas, tentativas forçadas de te fazer rir ou apostas em personagens caricatos como alívio cômico. O próprio desenrolar da trama traz a comédia ao instigar no espectador a expectativa de “aonde essa farsa toda vai levar?”. A sequência de Simão e Lídia inventando um novo ídolo com a ajuda do ingênuo Geraldo (Gerson Marques), por exemplo, é ótima! Porém, tais situações quase desaparecem na segunda metade da narrativa. Não é algo ruim, pois a série ganha em dramaticidade ao abordar assuntos mais sérios, mas pode ser um problema se a ideia principal era se lançar como uma série de comédia.
A parte visual da produção é linda. Tudo bem que o período retratado, por si só, é fértil em cores, imagens e figurinos, mas a equipe consegue reproduzi-lo com sucesso, utilizando-se dos efeitos de neons, de uma imagem quase “embaçada” e ligeiramente instável, dos chroma-keys de qualidade duvidosa, das roupas extravagantes e dos penteados marcantes. Outro ponto positivo (talvez o seu melhor) é a trilha sonora. Com a música tendo um grande destaque na narrativa – afinal, tudo acontece a partir dela –, a série conta com muitos números musicais, sendo boa parte deles composições originais tão boas e tão bem pesquisadas/trabalhadas para corresponder ao universo musical do período, que o espectador tem aquela sensação gostosa de “eu já ouvi isso antes”.
O elenco entrosado também acompanha a qualidade da produção. Além dos supracitados, destaco as atuações de Nash Laila (interpretando Natasha, a cantora novidade do momento, trazendo frescor à trama); Odilon Esteves (interpretando Lobinho, o maior apresentador de TV, mas com uma vida pessoal bastante problemática); e de Docy Moreira (interpretando Silvana, a empresária que auxilia Simão e Lídia na criação da Sensacional Discos). Os três, embora personagens originais, são ótimas fusões de várias personalidades do período, conhecidas e lembradas pelo grande público até hoje.
Um universo que, embora tão presente em nossa memória, soa tão original em uma série de TV merece ser reconhecido. Toda a parte estética, técnica e artística de Hit Parade é, com certeza, acima da média no que diz respeito às nossas comédias. Uma ótima produção que, se tivermos a sorte de termos uma segunda temporada (de preferência seguindo apostando na comicidade do absurdo), será um ganho à dramaturgia nacional.