Ah, a cultura midiática brasileira nos anos 80 e 90! Programas de auditório, shows de calouros, o boom das telenovelas e de suas trilhas sonoras, ícones pop com tantas estéticas distintas, crianças prodígio, mercado fonográfico e televisivo praticamente caminhando juntos. Um período movimentado, com personagens e situações marcantes, reflexos de uma sociedade que se desenvolvia não só retratada nas telinhas, mas também a partir do que acontecia nelas. Hit Parade, série do Canal Brasil, fisga uma parte desse manancial de referências para construir uma ficção que pode soar absurda e exagerada, mas que, se tratando de tal período, é tão real que chega a parecer um documentário.
Sinopse
Na trama de Hit Parade, acompanhamos Simão (Túlio Starling), um compositor em início de carreira que vê sua música ser roubada pelo empresário Messiê Jack (Robert Frank). Diante da decepção, Simão e sua parceira Lídia (Barbara Colen) decidem abrir uma gravadora própria, a Sensacional Discos. Para isso, usam expedientes pouco éticos para competir com o mercado fonográfico, que é tão sujo quanto lucrativo. Em meio a trapaças, invenção de artistas e melodias, a série revela o funcionamento dos bastidores da música pop e a relação inseparável daquele universo com a televisão, evidenciando um cenário onde sucesso e escândalo andam juntos. A série é criada por André Barcinski e dirigida por Marcelo Caetano.

A crítica
É fácil notar em Hit Parade um tom crítico claro sobre o submundo da indústria musical. Tudo isso entrelaçado com a comicidade que nasce justamente das situações absurdas geradas por Simão e seus colegas de gravadora. Embora a série pudesse apostar ainda mais na comédia, o maior trunfo está na naturalidade – não há piadas forçadas, nem caricaturas óbvias. O humor surge organicamente do enredo, que faz o espectador se perguntar a todo momento até onde irá cada armação. Por exemplo, a sequência em que Simão e Lídia criam um novo ídolo musical junto do ingênuo Geraldo (Gerson Marques) é irresistível. Na reta final, porém, tais cenas se tornam mais raras, e o tom dramático ganha espaço. Isso não prejudica a obra, pois adiciona profundidade e discute temas sérios, mas pode frustrar quem espera uma comédia do começo ao fim.
Crítica detalhada de Hit Parade
Visualmente, a série é um espetáculo. O período retratado facilita o trabalho com cores, figurinos e imagens, mas a equipe eleva o acervo nostálgico ao empregar neon, texturas “embaçadas”, chroma-keys propositadamente duvidosos, roupas e penteados irreverentes – tudo cuidadosamente recriado. A trilha sonora é um capítulo à parte. Com números musicais bem distribuídos, boa parte composições originais, dá a impressão de que já conhecíamos essas músicas. A pesquisa e elaboração musical enriquecem a experiência e ampliam ainda mais a sensação de retorno àquela época.

O elenco, altamente entrosado, também contribui para a excelência do resultado. Além dos protagonistas, destacam-se Nash Laila (Natasha, a estrela em ascensão), Odilon Esteves (Lobinho, grande apresentador de TV marcado por problemas pessoais) e Docy Moreira (Silvana, empresária aliada de Simão e Lídia). Cada um encaixa-se como fusão de figuras emblemáticas do cenário pop tupiniquim. Aliás, a originalidade desses personagens, mesmo inspirados na memória coletiva, é mérito do roteiro.
Por fim, vale destacar: poucos universos tão presentes no nosso imaginário foram retratados com tamanha autenticidade e arrojo. A riqueza estética, técnica e artística de Hit Parade eleva o padrão das comédias brasileiras recentes. Caso haja uma segunda temporada – especialmente, se a aposta recair sobre o humor absurdo -, a dramaturgia nacional só tem a ganhar.
Impressão Final
Hit Parade acerta ao revisitar, com irreverência e apuro visual, os bastidores já míticos da música e da televisão brasileiras; tudo isso sem perder a qualidade técnica nem cair em caricaturas.
Nota: 4 de 5