“Hit Parade”: O caótico (e encantador) universo musical e televisivo dos anos 80

    Ah, a cultura midiática brasileira nos anos 80 e 90! Programas de auditório, shows de calouros, o boom das telenovelas e de suas trilhas sonoras, ícones pop com tantas estéticas distintas, crianças prodígio, mercado fonográfico e televisivo praticamente caminhando juntos. Um período movimentado, com personagens e situações marcantes, reflexos de uma sociedade que se desenvolvia não só retratada nas telinhas, como também a partir do que acontecia nelas. Hit Parade, série do Canal Brasil, fisga uma parte desse manancial de referências para construir uma ficção que pode soar absurda e exagerada, mas que, se tratando de tal período, é tão real que chega a parecer um documentário.
  Criada por André Barcinski e dirigida por Marcelo Caetano, a série de oito episódios conta a história de Simão (Túlio Starling), um compositor em início de carreira que tem uma de suas músicas roubada pelo próprio empresário para qual trabalha: Messiê Jack (Robert Frank). Após a decepção, Simão e sua parceira Lídia (Barbara Colen, o equilíbrio dramático da série) decidem abrir sua própria gravadora, a “Sensacional Discos”, onde usam de artifícios nada corretos para saírem na frente na disputa contra a antiga casa, tão suja quanto. A narrativa, portanto, se desenvolve nos bastidores da indústria fonográfica – quase indissociável da televisão naquele momento –, escancarando as trapaças, as movimentações ilícitas e as ilusões pensadas e criadas pelo mercado para obter lucro.

    Embora com propostas distintas, não é a primeira vez que uma série aborda esse período da nossa cultura. A história de Samantha!, da Netflix, é ambientada nos dias atuais, mas grande parte do seu enredo é reflexo de tal década (mais especificamente as crianças cantoras, grande sucesso de público – e de dinheiro às gravadoras, na época). O que acontece em Samantha! talvez seja exatamente uma das consequências causadas pela produção de um mercado frenético e insano retratado em Hit Parade. E ambas obtêm sucesso em suas respectivas propostas.

    É nítido o teor crítico a respeito desse submundo, mas é também nas situações absurdas arquitetadas por Simão e por seus colegas de gravadora que mora a comicidade da série que, se tivesse a pretensão de se firmar mais como comédia, poderia ter se aproveitado mais de tais picaretagens. É justamente na “naturalidade” da construção dos momentos cômicos que está o ponto forte de Hit Parade. Não há piadas, tentativas forçadas de te fazer rir ou apostas em personagens caricatos como alívio cômico. O próprio desenrolar da trama traz a comédia ao instigar no espectador a expectativa de “aonde essa farsa toda vai levar?”. A sequência de Simão e Lídia inventando um novo ídolo com a ajuda do ingênuo Geraldo (Gerson Marques), por exemplo, é ótima! Porém, tais situações quase desaparecem na segunda metade da narrativa. Não é algo ruim, pois a série ganha em dramaticidade ao abordar assuntos mais sérios, mas pode ser um problema se a ideia principal era se lançar como uma série de comédia.

A parte visual da produção é linda. Tudo bem que o período retratado, por si só, é fértil em cores, imagens e figurinos, mas a equipe consegue reproduzi-lo com sucesso, utilizando-se dos efeitos de neons, de uma imagem quase “embaçada” e ligeiramente instável, dos chroma-keys de qualidade duvidosa, das roupas extravagantes e dos penteados marcantes. Outro ponto positivo (talvez o seu melhor) é a trilha sonora. Com a música tendo um grande destaque na narrativa – afinal, tudo acontece a partir dela –, a série conta com muitos números musicais, sendo boa parte deles composições originais tão boas e tão bem pesquisadas/trabalhadas para corresponder ao universo musical do período, que o espectador tem aquela sensação gostosa de “eu já ouvi isso antes”.

    O elenco entrosado também acompanha a qualidade da produção. Além dos supracitados, destaco as atuações de Nash Laila (interpretando Natasha, a cantora novidade do momento, trazendo frescor à trama); Odilon Esteves (interpretando Lobinho, o maior apresentador de TV, mas com uma vida pessoal bastante problemática); e de Docy Moreira (interpretando Silvana, a empresária que auxilia Simão e Lídia na criação da Sensacional Discos). Os três, embora personagens originais, são ótimas fusões de várias personalidades do período, conhecidas e lembradas pelo grande público até hoje.

    Um universo que, embora tão presente em nossa memória, soa tão original em uma série de TV merece ser reconhecido. Toda a parte estética, técnica e artística de Hit Parade é, com certeza, acima da média no que diz respeito às nossas comédias. Uma ótima produção que, se tivermos a sorte de termos uma segunda temporada (de preferência seguindo apostando na comicidade do absurdo), será um ganho à dramaturgia nacional.

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