Em janeiro deste ano, estreou no Teatro Santander de São Paulo o musical “Tarsila, a brasileira”, produzido e protagonizado por Cláudia Raia. O espetáculo demorou a estrear (as audições aconteceram quase dois anos atrás, entre abril e maio de 2022), mas finalmente ganhou os palcos e mostrou ao que veio.
Assim que entra em cena, Cláudia Raia se apresenta plena e diferente de tudo que já performou no teatro. A Tarsila proposta – tanto a personagem, quanto o espetáculo em si – não pretende ser literalmente biográfica. Nenhum espetáculo, ainda que se proponha a ser, o é. Há adaptações, há “releituras”, sínteses, criações. A liberdade narrativa é mencionada inclusive por seus autores Anna Toledo e José Possi Neto. Ainda assim, é possível aprender e entender um pouco da representatividade de Tarsila na cultura brasileira através do que nos é apresentado na peça.
Tal representatividade, porém, é mais focada na personalidade de Tarsila, seus percalços e sua história de vida que em seu trabalho e seu legado às artes nacionais. Quem não conhece a pintora, sai admirando sua história e personalidade, mas pouco conhecendo os motivos pelos quais a arte modernista (a qual ela simboliza) representou uma revolução na arte brasileira. Sim, são abordadas vida e obra da artista, mas o foco é, sem dúvidas, em sua vida pessoal. E isto não é um problema, visto que a vida de Tarsila teve conteúdo de sobra para render um ótimo produto dramatúrgico.
A iniciativa por si só merece ser elogiada: a criação de musicais que homenageiam personalidades brasileiras (além de ídolos da música) é rara. Ainda mais em se tratando de musicais com músicas originais, compostas especialmente para o espetáculo. Nisto, “Tarsila” obtém grande êxito e é um exemplo a ser seguido. Musicais assim, infelizmente, ainda são pontuais na história do teatro musical brasileiro – vide alguns poucos (mas bons) exemplos, como “Bilac Vê Estrelas” (2015) e “Brenda Lee e o Palácio das Princesas” (2022).
Com canções compostas especialmente para sua voz, Cláudia Raia entrega a melhor performance vocal de sua carreira no teatro musical. Seu trabalho corporal também é bastante interessante, ainda que pareça levemente caricato no início da peça. A impressão talvez se dê por não estarmos acostumados a ver a expansiva Raia em um corpo não-curvilíneo, curvado e contido.
O time que completa o “grupo dos cinco” contribui para criar um conjunto protagonista coeso e uniforme em que todos conseguem brilhar com maestria. Jarbas Homem de Mello e seu Oswald de Andrade segura o coprotagonismo como ninguém, trazendo energia ao espetáculo. Dennis Pinheiro como Mário de Andrade apresenta na medida certa e com total domínio um dos personagens mais interessantes. A Anita Malfatti de Keila Bueno tem ótimos momentos e cumpre com satisfação o papel de suposta rival de Tarsila (uma rivalidade apresentada de maneira bastante amigável, aliás). Por fim, Ivan Parente diverte com o seu Menotti del Picchia, sendo um dos pontos altos do início do espetáculo. É uma pena que o personagem desapareça em determinado ponto da peça sem muitas explicações. Visto a já quantidade de livres adaptações em detrimento de uma boa dramaturgia, sua ausência na cena final poderia ter sido evitada.
A parte visual do espetáculo, porém, se mostra um pouco aquém à proposta. Cenários e figurinos cumprem o objetivo. Os figurinos, aliás, são surpreendentes e as roupas especialmente de Tarsila enchem os olhos. Mas, em se tratando de um espetáculo sobre um movimento artístico revolucionário sobretudo na parte visual e imagética, esperava-se um pouco mais de ousadia na parte estética da produção. É tudo, digamos, levemente careta e correto demais. Há momentos visualmente interessantes, mas dada a temática, o espetáculo perde em não ousar e inovar.
O saldo é positivo e “Tarsila, a Brasileira” já se torna um dos maiores espetáculos nacionais. Um espetáculo que o país merecia ter presenciado já há algum tempo. Que bom que este momento chegou.
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