Crítica: Perrengue Fashion acerta na comédia, mas carece de aprofundamento

Que Ingrid Guimarães é a rainha da comédia nacional, não há dúvidas. Entretanto, em Perrengue Fashion, sua presença vai além da performance nas telonas. Além de protagonizar o longa, ela assina o roteiro e a produção, o que reforça seu papel central na concepção da obra. Dirigido por Flávia Lacerda, o filme marca a primeira produção brasileira da Amazon MGM Studios, estreando com a missão de mesclar humor e reflexão em pautas contemporâneas.

A premissa propõe o encontro entre dois mundos visual e ideologicamente opostos. De um lado, o universo da moda, influenciadores, desfiles e campanhas publicitárias; do outro, uma realidade voltada à natureza, afastada das redes e preocupada com o meio ambiente. Nesse confronto, a trama evidencia o choque entre esses dois universos quando a vida de Paula Pratta (Ingrid Guimarães) se cruza com a do filho, Cadu (Filipe Bragança), que escolhe um estilo de vida alternativo. Essa colisão gera o motor cômico e dramático que estrutura o enredo.

 

Ingrid Guimarães e Rafael Chalub em “Perrengue Fashion”

 

Sinopse

Paula Pratta (Ingrid Guimarães) é uma influenciadora de moda que busca consolidar sua carreira no nicho de criadores de conteúdo. Ela recebe um convite para estrelar uma campanha de Dia das Mães ao lado do filho, Cadu (Filipe Bragança). Seus planos são interrompidos quando o jovem decide abandonar tudo e se muda para uma ecovila no interior do Amazonas, tornando-se um ativista ambiental. Com a ajuda do seu assistente Taylor (Rafael Chalub), Paula viaja até o Norte do Brasil com o objetivo de convencer o filho a desistir do sonho e voltar para o compromisso. Esta jornada, no entanto, a obrigará a rever seus próprios valores e prioridades.

 

Ingrid Guimarães e Filipe Bragança em “Perrengue Fashion”

 

A Crítica

A maior força do roteiro de Perrengue Fashion reside na complexa relação construída entre mãe e filho. Embora a comédia de situações derive principalmente da vivência de Paula e Taylor no novo ambiente, a pergunta central que move a narrativa é mais profunda: como Paula e Cadu, com visões de mundo tão opostas, conseguirão se entender? Afinal, quem dos dois irá ceder?

Ambos os lados são compreensíveis. Ainda que os objetivos de Paula pareçam fúteis (uma foto para uma campanha), ela deixa claro que aquele trabalho representa seu sonho e esforço pessoal. Ela não exige que o filho abandone seus ideais, apenas que faça uma concessão momentânea. Em contrapartida, Cadu, embora com um pensamento coletivo elogiável, queria algo maior: provar para a mãe que ela não era mais o centro das atenções. Ele almejava uma transformação na essência de Paula, enquanto ela, ainda que egoísta, queria apenas uma ação pontual do filho. Essa divergência, construída com sutileza, eleva o conflito e torna o roteiro emocionalmente convincente.

Em relação ao ritmo, a comédia demora a atingir seu auge. Embora o humor surja desde o início, a narrativa precisa de tempo para estabelecer o contexto e gerar empatia pelos personagens. As piadas, por vezes previsíveis, acabam compensadas pelo carisma do elenco. É Taylor (Rafael Chalub) quem assume o papel de alívio cômico, especialmente quando Paula atravessa momentos emocionais mais densos. As interações entre os dois personagens são ágeis e divertidas. A cena da imersão ritualística, por exemplo, é um dos pontos altos do filme, arrancando risos sinceros da plateia.

Há, contudo, uma limitação perceptível: a representação superficial da vida amazônica e o uso de estereótipos. A comunidade mostrada não é nativa da região, e sim composta por profissionais urbanos – advogados, engenheiros e professores. O filme deixa claro que são pessoas que escolheram estar ali e que todos poderiam simplesmente “voltar” à cidade caso se cansassem da vivência naturista, o que reduz a complexidade social do cenário retratado. Foi uma oportunidade perdida de aprofundar camadas culturais e ecológicas que enriqueceriam o projeto.

 

Filipe Bragança e Késia Estácio em “Perrengue Fashion”

 

Além disso, a discussão sobre moda sustentável e o embate entre consumo e meio ambiente carecem de profundidade. O confronto entre a indústria da moda e a produção artesanal, familiar, com ética ambiental era um tema bastante rico. Ao colocar Cadu, um jovem de origem elitista, como o “porta-voz” da consciência ecológica, a narrativa deixa de valorizar a sabedoria e as práticas sustentáveis locais. Ainda que saibamos de suas boas intenções,  Cadu chegou ali há pouco tempo, trazendo sua ideia super revolucionária como se pudesse “salvar” aquelas pessoas. Um olhar mais atento às questões éticas, políticas e sociais desta complexa relação, fortaleceria o discurso sem sobrecarregar nas tintas e comprometer a comédia.

Em compensação, a atuação de Ingrid Guimarães renova-se. Ela transita bem entre o drama e o humor, conferindo veracidade ao arco de Paula. Filipe Bragança cumpre bem o seu papel de jovem idealista, representação cada vez mais recorrente no cinema e na teledramaturgia. Michel Noher traz a sensualidade, a maturidade e o romance. Seu personagem permite à protagonista explorar outros momentos, além da busca pela reconciliação.

Rafael Chalub é o responsável pelo alívio cômico, embora o personagem continue preso ao estereótipo do “amigo gay” pouco desenvolvido. O longa até ensaia humanizar sua relação com a protagonista, mas o resultado se perde. Em certo momento, Taylor decide ir embora e afirma que tudo sempre gira em torno de Paula. A resposta dela, no auge do egoísmo, é dura: diz que ele ainda voltará para pedir desculpas. Dito e feito – Taylor retorna e faz exatamente o que Paula previu, reforçando que o personagem existe apenas em função da protagonista. Ainda que Paula também demonstre arrependimento, o gesto partindo dela teria dado mais profundidade e equilíbrio à relação.

Apesar de ser superior a algumas comédias protagonizadas pela atriz, em termos de roteiro e proposta, Perrengue Fashion tinha espaço para se aprofundar mais. A relação entre mãe e filho é o ponto alto do longa-metragem, que acerta na dinâmica afetuosa e madura entre eles. Não é pretensiosa e nem mesmo apelativa aos clichês do gênero, o que torna a experiência agradável para diversos públicos.

 

Cena de “Perrengue Fashion”

 

Impressão Final

Garantindo diversão e emoção, Perrengue Fashion é uma comédia agradável e bem-intencionada, que se beneficia da química de Ingrid Guimarães com Rafael Chalub e com Filipe Bragança. No entanto, o filme desperdiça a oportunidade de aprofundar o debate sobre as questões socioambientais que propõe, tocando-as de forma superficial e perpetuando estereótipos problemáticos sobre a região amazônica.

 

Nota: 3.5/5

 

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