A primeira semana de Três Graças confirmou o retorno de Aguinaldo Silva em grande forma. O autor reafirma seu domínio sobre o folhetim clássico, unindo emoção popular e crítica social com a segurança de quem conhece a matéria-prima da telenovela como poucos. Nos seis primeiros capítulos, a trama apresenta três dias na vida da protagonista, Gerluce (Sophie Charlotte), conduzidos com a calma necessária para o público mergulhar em seu cotidiano, compreendendo cada dilema, cada respiro e cada ferida.

O ritmo certo para uma protagonista forte
Desde o primeiro capítulo, a estrutura revela um raro cuidado com o tempo – um único dia de Gerluce se espalha pelos três capítulos iniciais. Essa escolha de Aguinaldo e de seus parceiros (a novela é escrita em parceria com Virgílio Silva e Zé Dassilva) demonstra que os autores querem que o público viva com a protagonista, sinta junto com ela, compreenda sua rotina e suas dores. É um gesto de confiança no texto, na direção e no elenco, marcando uma clara ruptura com a pressa das novelas recentes. Percebe-se uma serenidade na maneira como os autores constroem suas histórias, digerindo os acontecimentos e permitindo que as emoções amadureçam em cena.
Gerluce é o centro de tudo. Todo conflito – seja a vilania da Arminda (Grazi Massafera), o enredo dos remédios com Feretti (Murilo Benício) ou os dilemas da filha Joelly (Alana Cabral) – desemboca nela. Após o nosso recente trauma causado pelo apagamento da protagonista da novela anterior, é um alívio acompanhar uma novela de Aguinaldo, que tem como característica justamente o realce de suas protagonistas. Ele nunca as abandona. Ainda que o público passe a ter predileções por outros personagens, ele mantém sempre suas protagonistas como peças centrais de suas histórias. Tudo passa por elas.
O caso mais evidente é Senhora do Destino (2004). Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) inegavelmente se tornou uma personagem imensa, hoje considerada uma das maiores personagens da teledramaturgia brasileira. Em outras mãos, a vilã facilmente dominaria a trama e colocaria a protagonista em segundo plano. Mas não foi isso que Aguinaldo fez. Mesmo com o destaque de Nazaré, a trama de Maria do Carmo (Susana Vieira) – a protagonista – dominou a novela durante os 221 capítulos. E não estamos falando aqui apenas sobre tempo de tela. Estamos falando sobre relevância dramatúrgica. Ainda que Maria do Carmo ficasse capítulos sem aparecer, que Nazaré dominasse um ou outro capítulo, sabíamos que a novela era sobre Do Carmo. Felizmente podemos esperar o mesmo de Gerluce. Acompanharemos uma trajetória sólida de protagonista. Três Graças é de Gerluce e de Sophie Charlotte, que – perdoem o trocadilho – está em estado de graça.

A força das três protagonistas
A química entre Sophie Charlotte, Dira Paes e Alana Cabral, aliás, é um dos grandes acertos da novela. A relação entre mãe, filha e avó flui com naturalidade e verdade. Há uma cena especialmente marcante no terceiro capítulo: Gerluce consola a filha, mostra-se forte, mas assim que a menina sai, desaba nos braços da mãe. Nesse gesto, a novela traduz o que há de mais humano na maternidade – essa alternância entre a força e a fragilidade. A mãe inabalável diante da filha é a mesma mulher que se desfaz diante da própria mãe.
A cena emociona porque é simples. É vivida, não discursada. O texto transforma as dores sociais em experiência de vida. O preconceito, a desigualdade e o abandono aparecem sem didatismo, por meio de olhares e silêncios. O público sente junto, reflete fora da tela. É este o caminho pelo qual a crítica social atravessa Três Graças. E é assim que a telenovela sempre expôs sua força social: as vivências dos personagens dentro da tela geram debates fora da tela. Não é preciso que os debates todos sejam expostos dentro da dramaturgia. É positivo quando há espaço para o próprio público discutir e tirar suas conclusões.

O casal central e o cuidado com os secundários
Há, também, notável zelo com o casal central. A relação de Gerluce com Paulinho (Rômulo Estrela) nasce em nuances, no não-dito, nas trocas de olhares e silêncios que anunciam algo que ainda será construído com vagar. O roteiro não força a aproximação; a constrói com cuidado, respeitando os conflitos individuais dos personagens. É um romance promissor, amadurecido com coerência e tempo. O romance se desenvolve sem que o roteiro atropele o drama principal – um equilíbrio que poucos autores sustentam. Mesmo a comédia é bem-vinda ali. Vai crescendo a torcida por algo que, curiosamente, nem queremos ver de imediato, mas aguardamos que aconteça naturalmente.
Ao mesmo tempo, os núcleos secundários são inseridos com calma, sem atropelos, deixando espaço para que cada microtrama encontre sua função na engrenagem do enredo. Esse acréscimo gradual revela uma novela que se quer coesa, sem dispersão temática, e que aposta na progressão orgânica de personagens e ambientes.
O elenco, aliás, já apresenta vários destaques. Além de Sophie Charlotte, Dira Paes, Alana Cabral e Rômulo Estrela, brilharam nesta primeira semana Grazi Massafera, Arlete Salles, Paulo Mendes e Xamã.

Direção inspirada e uma São Paulo viva
A direção de Luiz Henrique Rios está em plena forma. O diretor aposta em planos contínuos e movimentos longos de câmera, como o plano-sequência do ônibus no primeiro capítulo, em que Gerluce respira depois de um dia intenso. Ou o belíssimo plano-sequência do segundo capítulo, que orquestra atores, figurantes, caminhadas e movimentações de câmera durante três minutos. A cena começa com Viviane (Gabriela Loran) no consultório, passa pelo diálogo dramático com Misael (Belo) na recepção e só finaliza do lado de fora, com Edilberto (Júlio Rocha) ligando para Feretti. São momentos que dão à novela um tempo próprio e uma imersão rara.
Outro destaque está na presença da cidade. São Paulo é viva, concreta, repleta de gente. A direção não esconde a multidão. Pelo contrário, a exibe. Há figurantes por toda parte, atravessando os protagonistas e até cruzando a frente da câmera. Esse excesso é proposital: serve para mostrar que os personagens vivem em uma metrópole cheia, densa, onde ninguém está realmente sozinho.

Um folhetim com alma e propósito
Com seis capítulos no ar, Três Graças se mostra um folhetim clássico, bem escrito e cheio de vigor. O roteiro é coerente, o elenco entregue e a direção consciente do que quer. Se essa escolha de ritmo vai refletir na audiência, ainda não sabemos. Afinal, é notório que a tendência das novas gerações é a da velocidade e da efemeridade – e são justamente essas características que Três Graças não pretende seguir.
Tecnicamente, a primeira semana da novela foi uma das mais sólidas da faixa das 21h em anos. Equilíbrio entre drama, romance, comédia e até um suspense. O elenco brilha e o texto é consciente de si – melodrama assumido, mas com o pé na realidade brasileira. Aguinaldo Silva segue fiel à sua escola de dramaturgia: não há pressa, não há experimentação gratuita, há a vontade de contar uma história grande, com começo, meio e fim, centrada em uma protagonista absoluta. Com seis capítulos no ar, o time de autores comprova que ainda há espaço no horário nobre para a novela que emociona e faz pensar.
Três Graças não quer reinventar o gênero. Quer celebrá-lo. E, até aqui, conseguiu fazer isso com maestria.
Nota: 5 de 5